A mentira 541d6l

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Dificilmente na primeira infância uma criança mente: ela deturpa fatos, normalmente por excesso de imaginação. Partindo de um fato, a imaginação age, misturando desejos, sonhos, expectativas, para satisfazer suas necessidades naquele momento, como por exemplo a invenção de um amigo que preencha sua solidão ou necessidade de afeto.

Crianças com medo de confessar certas ações podem mentir por defesa, tentando evitar a punição. Perder afeto das pessoas de quem mais gosta pode ser apavorante e justificar mentiras, inclusive a elas mesmas, envolvendo-se em situações complexas nos atos intencionais de levar os demais a crer naquilo que é dito, dando a entender que diz toda a verdade e somente a verdade.

Santo Agostinho declarava que não há mentira se não houver intenção, desejo ou vontade de enganar, ou seja, não se mente ao enunciar algo falso que cremos verdadeiro. Mentira e engano são expressões de “não veracidade”, mas com cargas morais diferentes:

_A mentira envolve conhecimento e ocultação da verdade com os mais variados propósitos, até mesmo bem intencionados como quando se esconde de um doente terminal a sua condição para poupá-lo, o que por sinal hoje os médicos paliativistas não recomendam, ou as fantasias contadas a crianças pequenas sobre figuras lendárias para diverti-las, bem diferente dos “contos do vigário” como se chamavam antigamente os golpes que hoje se proliferam nas redes com histórias absurdas que visam roubar dados ou dinheiro das vítimas que acreditem que ficarão milionárias, ou que evitarão grandes desgraças se “linkarem” algo do interesse dos criminosos.

_Engano é, a princípio, inocente; o enganado acredita em algo. Em tempos recentes muitas pessoas divulgavam sua crença na planura da Terra, nos remédios milagrosos para a COVID, nos políticos que se am por honestos e competentes que desejavam apenas o seu bem; e na maioria essas pessoas padeciam de boa fé. Enganos podem resultar em tragédias se cometidos por controladores de tráfego aéreo, cirurgiões, calculistas de concreto, pilotos de avião e praticamente todos os profissionais que são íveis de cometer erros, ainda que na melhor das intenções.      

Porém, temos inegavelmente uma cultura que influi na prática da mentira, e atualmente com as Fake News, em todas as suas formas, meios de transmissão, motivações, finalidades políticas, efeitos, tem sido quase impossível determinar o nível da crença de pessoas que contam mentiras.

Para determinar se algo é ou não inverídico, precisamos lembrar que a própria verdade, além do que se pode pensar ou testemunhar, pode ser contaminada por intenções várias, muitas delas perversas.

Para o adulto, mentir é um processo psicológico pelo qual um indivíduo deliberadamente tenta convencer outro daquilo que sabe que é falso, seja em benefício próprio, ganhar financeiramente, evitar perdas ou convencer politicamente. Tem sido usada como arma de preservação social, entretanto causando prejuízo moral ou material, pois omite a real intenção daquele que mente, e juízes, psicólogos, médicos e outros profissionais podem ser enganados, levando a riscos de vida para outras pessoas ou prejuízos materiais.

Em certos campos profissionais, a mentira pode ser vista até como habilidade na resolução de problemas, principalmente envolvendo os demais, como clientes, colegas de profissão ou até mesmo chefes, e ela não é encarada necessariamente como prejudicial, mas sim como sinônimo de esperteza.

Por isso, hoje desgastamos até a imagem da ciência como prática imparcial e desinteressada, desde a guerra fria sabemos que a detonação de uma bomba atômica pode provocar efeitos catastróficos e alterar toda a dinâmica climática do planeta, provocar o que chamamos de inverno nuclear. No entanto, se olharmos as ameaças presentes nos noticiários atuais, ainda ameaçamos outros países de realizar uma pequena explosão nuclear na cabeça dos que não nos obedecem.

O debate que temos tido sobre a relação entre verdade, ciência, política, não parecem conduzir nossa civilização a um bom termo. Para nós e para os demais.

As diversas maneiras de outros povos viverem e expressarem suas verdades, aquilo que chamamos negacionismo, ou seja, reivindicar a verdade das visões alternativas sobre o mundo, como recentemente fez o porta-voz do presidente de uma das principais nações do mundo, é um despropósito que apenas colabora para com a instabilidade planetária.

Escolas e docentes tentam ar mensagens de boas ações, credibilidade e confiança; mas não tem sido pequeno este desafio.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.