Sobre inveja e outras pequenas verdades inconfessáveis 72n12

Pensamentos nada santos sobre o sentimento que ninguém ite, mas todo mundo pratica 5i146e

Danielle Blaskievicz
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Pixabay

Outro dia, ito, senti inveja. Não daquelas de fazer mal a alguém ou recorrer à bruxaria. Jamais! Foi uma invejinha gourmet, dessas que vêm com um toque de culpa e um leve aroma de autoanálise. Surgiu durante a leitura do livro de uma escritora contemporânea que considero genial. Daquelas que parecem tomar café com Clarice Lispector e ar férias com Virginia Woolf. Cada linha, uma bofetada de talento.

A verdade é que sim, fui tomada por um leve recalque literário. E estou aqui fazendo meu “réu confesso”. Porque, vamos encarar: é difícil aceitar que a gente sofre desse sentimento nada nobre, mas extremamente humano.

Inveja é como flatulência em elevador: todo mundo já sentiu, mas ninguém quer ser o autor. É aquele sentimento que a gente embala com papel de presente chamado “inspiração”. Finge que está aplaudindo enquanto, por dentro, se pergunta “o que ela tem que eu não tenho?”.

Vivemos num eterno reality show digital, onde cada um é protagonista da própria narrativa filtrada. O cotovelo dói ao saber que a fulana emagreceu 20 quilos.  Surge uma pontinha de apreciação rancorosa ao constatar que o colega conseguiu o emprego dos sonhos ou, ainda, que a antiga vizinha chata se casou com um cara que parece personagem de série bacana da Netflix. Dá vontade de viver aqueles roteiros, mesmo sabendo que a edição faz toda a diferença no resultado.

O mais curioso é que o tal do olho gordo não escolhe vítimas. Pode ser um ídolo, uma prima ou aquele ex-colega do fundamental que agora dá palestras em Dubai sobre inteligência artificial e os novos tempos da internet. Se um deles têm algo que você almejou, é suficiente para o desconforto comparativo entrar sem pedir licença, esticando as pernas no sofá da mente, tomando um drink e comendo caviar.

O objetivo não é bancar a mártir ou propor purificação via incenso de palo santo e cristal rosa. É só reconhecer que, se bem canalizado, esse incômodo tem potencial. Se não te paralisar, pode te provocar. Pode virar motor — ou, no mínimo, um bom motivo pra você parar de stalkear a vida alheia e investir na sua própria história, com menos comparação e mais ação.

Só quem tem coragem emocional suficiente assume uma “iração com inveja embutida”. O resto continua distribuindo coraçõezinhos e frases sobre gratidão, enquanto digita com uma mão e rói as cutículas da outra.

Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e, às vezes, escreve com leve dor no cotovelo e bom humor na ponta dos dedos.