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Pixabay

O elevador é uma cápsula social onde a diversidade se encontra, se ignora mutuamente e logo se dispersa. É o advogado que entra apressado, já pensando nas audiências e prazos. A psicóloga que sobe cinco andares sem tirar os olhos do chão, ou da alma, completamente absorvida pelas histórias que carrega dos outros. A faxineira, de uniforme impecável, que no trajeto antecipa o caos que encontrará pela frente. O jovem estudante, totalmente imerso nas batidas da música eletrônica que pulsa em seus fones, praticamente num transe urbano particular, onde o toque na tela dita o ritmo e o mundo real é só trilha de fundo.

O espelho ao fundo testemunha de tudo, reflete não só rostos, mas ausências. A ausência de conversa, de gentileza, de reconhecimento do outro como parte do mesmo mundo. Trocar um “bom dia” deixou de ser uma forma pra identificar os curitibanos. Hoje parece uma afronta, uma tentativa de golpe. O celular virou uma armadura. O fone de ouvido, um aviso implícito de “não me perturbe” permanente. Olhar nos olhos é invasão. Respirar fundo é quase uma ofensa. Cada um em seu quadrado, literalmente, ocupando espaço com a energia de quem queria estar em Marte.

Nos longínquos anos 1990, elevador costumava ser lugar de troca rápida, sorrisos amarelos e olhares sem graça. Reclamar do calor, comentar o resultado do jogo do dia anterior, fazer comentários sobre a manutenção do prédio e a ação do síndico. Qualquer coisa pra ocupar o espaço. Agora se transformou num vácuo civilizatório onde se empilham pessoas e silêncios. Um teatro do absurdo com roteiro diário e elenco rotativo. Se alguém se arrisca a contrariar o script, recebe olhares que misturam susto e reprovação. Quem ainda cumprimenta desconhecidos? Só os que ainda acreditam na civilização.

O mais triste é que não há mais uma pandemia pra justificar o isolamento. Ninguém está fugindo de espirros ou buscando o último álcool gel da urbanidade. O que temos é uma epidemia emocional. Um distanciamento afetivo que se perpetua por conveniência, por cansaço ou pura falta de hábito. A convivência virou um luxo que ninguém mais está disposto a bancar.

No fim das contas, a filosofia de elevador diz mais sobre o mundo do que muitos manuais de etiqueta: subimos juntos, mas cada um mergulhado no seu próprio universo paralelo. Talvez, na próxima parada, alguém ouse dizer algo. Um “oi” sem convicção, quem sabe. Porque gentileza, ao contrário do que parece, ainda não foi proibida por nenhuma convenção de condomínio.

E vai que, num deslize de humanidade, a gente redescobre que falar com estranhos, mesmo que por 19 andares, é um sinal de sanidade, não de ameaça.

Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e acredita que o “bom dia” é o novo ato de resistência urbana.