
A maternidade no século XXI virou produto de prateleira. Tem aplicativo pra controlar contrações, IA pra sugerir nome de bebê e vídeo no YouTube ensinando como ser uma mãe calma enquanto seu filho derruba iogurte no teclado do notebook. Se bobear, tem até ring light pra iluminar o surto.
É tanta exigência, tanta comparação, tanta romantização disfarçada de empoderamento, que não surpreende ninguém se vierem me contar que agora existe até creche pra bebê reborn. Já tem maternidade, parto de boneco de silicone. Com certidão e tudo!
Só faltava mesmo era uma opção de renascimento pra quem carrega o caos com amor: a mãe. Se lançassem no mercado uma mãe reborn, todinha siliconada, ela seria um sucesso. Viria embalada em plástico bolha emocional, com aviso de “frágil” e um QR code pra ar o manual de instruções que, óbvio, ninguém ia ler.
Seria a mãe versão 2025, recém-saída da caixa da pressão social que determina acordar cedo, alimentar-se com orgânicos, sorrir durante a birra, empreender no tempo livre e postar tudo com filtro sépia e legenda empática.
Na prática, acho que a mãe reborn diria viria com um botão de “silenciar conselhos alheios” e atualização automática pra ignorar o feed da mãe perfeita que cultiva suculentas, filhos trilingues e paz interior. Também conhecida como mãe de Instagram.
A nova mãe siliconada – não de cirurgias plásticas, que fique claro, mas do material utilizado pra criar a peça – viria com as cicatrizes à mostra – limpas, orgulhosas – e o olhar de quem sabe que autoestima é conquista e não mimo.
Ela não cobraria a si mesma pra amamentar a cria até os 4 anos, nem se culparia por dar nuggets de vez em quando pra poder terminar a reunião em paz.
A maternidade reborn, se existisse, não seria sobre o bebê que não chora – mas também não cresce, não interage e aceita tudo. Seria sobre a mulher de carne, osso e boletos que parou de romantizar o caos e começou a rir de tudo isso. Do cartão fidelidade no pronto socorro, das tremedeiras quando chega ligação da escola, do desafio de ter que criar humanos empáticos, sociáveis, trabalhadores e de bom caráter.
Bem diferente daquele riso de que está tudo bem diante dos holofotes. Mas daquele que surge quando a louça está acumulada, de quando o filho pede pra ir ao banheiro enquanto ela está pintando as unhas de vermelho e da humanidade que continua fingindo ignorar todos os turnos de uma mulher real na vida adulta.
Se a sociedade já adota bonecos pra curar traumas, talvez esteja na hora de parir uma versão nova da gente mesmo: com menos performance, mais engajamento coletivo e, principalmente, perdão.
Menos textão ivo-agressivo porque a mãe da criança que só distribui patada nos coleguinhas resolveu reclamar de exclusão no grupo do condomínio. A infância não tem compliance, mas os pequenos já são especialistas em aplicar gestão de danos reputacionais na convivência diária. Porém, algumas, ainda insistem em fechar os olhos e acreditar nos anjos plastificados que têm em casa.
Na real, não é de mais paciência que as mães precisam. É de uma licença maternidade pra recomeçar – mas, dessa vez, com Wi-Fi estável, terapia garantida e ninguém dizendo que “a rápido”.
Sim, se a mãe reborn existisse, ela viria sem culpa e com um chip de liberdade. Talvez até viesse com voz de GPS: “Recalculando rota. Siga em frente, mesmo sem saber pra onde”. Seria um baita upgrade e, quem sabe, o número de mães cansadas seria menor.
Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária, mãe real em modo atualização contínua. Às vezes trava, mas reinicia com café e sarcasmo.