Litoral do Paraná tem uma ilha misteriosa e fechada à visitação 2v9

Ilha das Cobras é um tesouro histórico e arqueológico pouco conhecido m1i1o

Redação Bem Paraná com assessoria
ilha das cobras

Vista aérea da Ilha das Cobras (Foto: Gabriel Marchi)

Uma unidade de conservação no Litoral do Paraná abriga histórias e um patrimônio histórico impressionante. É a Ilha das Cobras. Apesar de não ser um destino turístico aberto ao público, a Ilha das Cobras é um símbolo da história brasileira, repleta de episódios de resistência, sofrimento e mistério.

Caminhar pela praia e encontrar vestígios históricos e arqueológicos como antigos cachimbos usados por escravos, pesos de rede de antigos caçadores-coletores, cerâmicas produzidas no período pré-histórico, louças europeias que só pessoas de alto poder aquisitivo podiam ter no século XVIII. Isso é possível na pequena ilha.

Localizada na Baía de Paranaguá, no litoral do Paraná, a ilha de 212 km² é um patrimônio natural, histórico e arqueológico de valor inestimável. O local abriga sambaquis, sítios arqueológicos pré-históricos e uma infinidade de registros históricos importantíssimos dos séculos XVII, XIX e início do século XX.

“A Ilha das Cobras apresenta grande potencial arqueológico, com vestígios que remontam a períodos pré-históricos. Prospecções realizadas na ilha identificaram dois sambaquis e diversos vestígios que confirmam a ocupação humana ao longo dos séculos”, afirma Marcos Gernet, professor do departamento de zoologia da UFPR que também é pesquisador convidado do Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), iniciativa da Associação MarBrasil que conta com patrocínio do Governo Federal por meio do programa Petrobras Socioambiental.

Segundo Gernet, os registros que estão espalhados pela Ilha das Cobras revelam a construção social de uma época. “Quando os portugueses chegaram às terras brasileiras, aqui viviam cerca de quatro milhões de indígenas de diferentes etnias que falavam 1.500 línguas diferentes. A presença do ser humano em terras paranaenses retrocede a mais de 6 mil anos. Já a presença do europeu ocorria nas praias e baías do litoral paranaense desde os primeiros anos do século XVI e, desta maneira, já estava acontecendo o contato com os nossos indígenas”, explica Gernet.

Nome Ilha das Cobras é incerto 3671j

O motivo do nome “Cobras” é incerto, mas historiadores sugerem que pode estar ligado a antigos navegantes que batizavam ilhas com nomes simbólicos ou a alguma lenda local que se perdeu ao longo dos séculos. É também conhecida como Ilha do Governador por ter sido usada como casa de veraneio por todos os governantes do estado.

Além das cobras, que de fato ocorrem, muitas aves marinhas usam as árvores como abrigo. Na água, com alguma sorte, é possível ver lontras, e botos e tartarugas estão sempre no entorno”, observa o biólogo Rafael Metri, vice-presidente da Associação MarBrasil.

Ocupação e História Sombria

Ao longo das décadas, a Ilha das Cobras foi ocupada de diversas formas. Em 1855, tornou-se um lazareto ou leprosário, instituição destinada a isolar doentes de lepra. “Na época, o tratamento para hanseníase era excluir da sociedade. As pessoas tinham pavor de chegar perto da ilha. Além de leprosário, o casarão e a ilha eram usados como uma área de quarentena para navios que chegavam com pessoas doentes, principalmente febre amarela e escorbuto. Tanto que existe uma grande quantidade de cajueiros na ilha. Os pés de caju eram plantados justamente porque o escorbuto está relacionado com a carência de vitamina C”, esclarece Gernet.

Mas existe uma história assustadora por trás! O historiador Antonio Vieira dos Santos relatou que o local era destino de crianças indesejadas, como filhos de senhorios com mucamas e jovens considerados diferentes dentro da sociedade, com algum problema de comportamento. “No costão rochoso no extremo norte da ilha, é possível ver inscrições da década de 1930 e 1940. Há inscritos como ‘saudades de casa’, desenhos de crianças desesperadas, uma pessoa amarrada com guardas apontando arma para a cabeça. Com datas de 1928, 1932, justamente o período histórico em que a ilha era usada como prisão e área de afastamento de pessoas da sociedade”, relata Gernet.

Mansão do Diabo” – Em 1936, durante o governo de Manoel Ribas, foi inaugurada a escola de Pescadores Antonio Serafim Lopes, com capacidade para 100 alunos com finalidade “correcional”. A escola ficou conhecida como a “Mansão do Diabo”, um presídio de crianças e jovens que, por algum motivo, não se encaixavam nos padrões sociais da época. Antigos moradores contam que filhos bastardos também eram enviados para o local.

Uma senhora bem idosa, numa palestra, me falou que antigamente era comum os pais ameaçarem os filhos com ‘se não se comportar mando você para Ilha das Cobras!’ Ela dizia que conhecia histórias escabrosas, muito pesadas, vindas de lá e que nem tinha coragem de ar adiante”, comenta Rafael Metri.

Dentro da floresta, verificou-se a existência de uma antiga pedreira, mas que até o momento ainda não foi possível estabelecer uma data precisa. Há história de cemitérios clandestinos ali, onde pessoas eram enterradas e assassinadas na ilha. “Existem muitos indícios disso. Até nas camadas bem superficiais dos sambaquis a quantidade de ossos humanos é muito grande”, salienta Marcos Gernet.

Durante a Ditadura Militar, a ilha foi palco de histórias sombrias, incluindo relatos de tortura e maus-tratos a presos políticos durante períodos de repressão no Brasil. Em 2006, foi firmado um contrato de cessão de uso entre o Governo do Paraná e a União para apoiar as atividades do Porto de Paranaguá e Antonina.

Em 2018, o Governo do Paraná assinou o decreto reconhecendo o território como Parque Estadual Ilha das Cobras. A atual gestão de Ratinho Jr. tem planos de transformar a ilha em uma Escola do Mar, com cursos de gastronomia e educação ambiental. As obras de reforma já começaram e são feitas sem divulgação ou transparência nos trabalhos. O que é preocupante, considerando-se a importância histórica e natural da ilha, que abriga também 52 hectares de remanescentes de Floresta Atlântica.

Riquezas Naturais e Científicas

A ilha tem um posicionamento estratégico, bem no meio do Complexo Estuarino de Paranaguá. A biodiversidade e o valor histórico da Ilha das Cobras despertam o interesse de pesquisadores, que buscam preservar esse patrimônio natural e cultural. A fauna malacológica (moluscos) da Ilha das Cobras é um dos aspectos mais estudados, especialmente devido ao papel vital que esses seres desempenham como bioindicadores, tanto em ambientes terrestres quanto aquáticos.

As pesquisas revelam que o local possui grande diversidade de espécies marinhas. Durante uma expedição, foram coletadas 29 espécies de moluscos marinhos, sendo 19 de gastrópodes e 10 de bivalves. No entanto, apenas uma pequena parte da ilha foi explorada, o que significa que a possibilidade de descoberta de novas espécies é alta. Isso torna o parque estadual um campo promissor para a ciência.

É curioso que alguns programas de monitoramento de empreendimentos portuários estudam com alguma frequência a fauna de costões rochosos na Ilha das Cobras. Ainda assim, temos recentemente estudado outros costões da ilha e vemos espécies diferentes. Ou seja, ainda é necessário maior esforço científico para ar a grande biodiversidade de lá”, ressalta Rafael Metri.

Para o pesquisador, a abertura do parque para visitantes pode proporcionar uma experiência fascinante. “Além das praias belíssimas, a ilha abriga a mata e sua rica biodiversidade, o mar com toda sua diversidade, os sambaquis e registros históricos de diferentes épocas.”

O que é um sambaqui?

O termo sambaqui deriva do Tupi e significa: Tamba = conchas e Ki = amontoados. Os sambaquis são definidos como sítios arqueológicos, localizados na planície litorânea do Período Quaternário, período geológico mais recente da Terra, que começou há 2,58 milhões de anos e se estende até o presente.

Tais monumentos são formações artificiais, construídas pelo homem, caracterizadas pela presença de grande quantidade de conchas de moluscos e, em menor número, de restos de peixes e outros animais, associados a ferramentas e instrumentos pré-históricos, esqueletos humanos, estruturas usadas para habitação e restos de fogueiras, formando colinas que podem alcançar mais de 30 metros de altura.

Sambaquis foram construídos por antigos grupos sociais conhecidos como pescadores-caçadores-coletores servindo basicamente como área de acampamento, estando presentes em praticamente todo o litoral brasileiro.