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Pico Paraná, o ponto culminante da região Sul do Brasil (Foto: Franklin de Freitas)

Aos 94 anos de idade, Henrique Paulo Schmidlin, o Vitamina, é uma das mais importantes e notórias figuras do montanhismo no Brasil. Responsável por alcançar e abrir as primeiras trilhas para ar diversas das montanhas na Serra do Mar, entre a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e o Litoral do Paraná, Vitamina também tem diversas outras facetas. Ele é também advogado, ambientalista (tendo sido um dos responsáveis pelo tombamento da Serra do Mar como em 1986) e historiador, entre diversas outras coisas. 32e6w

As aventuras do montanhista (sejam elas no ar, na montanha ou no mar), por exemplo, estão todas registradas numa série de diários que ele escreveu ao longo da vida. Além disso, Schmidlin também preserva um enorme acervo sobre personagens históricos do montanhismo paranaense. Entre eles está o Reinhard Maack, o geógrafo, geólogo e topógrafo alemão que foi responsável pela descoberta do Pico Paraná. A montanha, com 1.878 metros de altitude, é a mais alta de toda a região Sul do Brasil e foi conquistada em 1941, numa expedição organizada pelo próprio Maack.

E na semana ada, em entrevista ao Bem Paraná, Vitamina contou mais sobre a história dessa conquista histórica. Ele, inclusive, chegou a trabalhar junto a Maack no laboratório de fotografia do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas (IBPT). Além disso, recentemente entregou uma série de materiais particulares do alemão para o Museu de Mineralogia. O espaço será inaugurado em breve no município de Ponta Grossa e receberá uma sala especial em homenagem ao pesquisador.

A descoberta do Pico Paraná 1l3s67

Até o começo da década de 1940, conta Vitamina, acreditava-se que o Marumbi, localizado em Morretes, no litoral do Paraná, seria a maior montanha paranaense. Isso até um dia em que Maack, munido de seu teodolito, resolveu calcular a altitude de alguns picos e morros no litoral. Foi quando, para seu próprio espanto, o pesquisador descobriu que o Marumbi (cujo cume mais alto é o Olimpo) não teria 1.800 metros de altitude, mas sim 1.547. Na mesma ocasião, também descobriu que duas elevações bem próximas ao Marumbi também tinham mais altitude que ele: o Morro do Leão o Pico do Ângelo.

Prosseguindo suas análises orográficas, Maack acabou descobrindo que outras montanhas, localizadas onde hoje ficam Campina Grande do Sul e Antonina, teriam altitude ainda mais elevada, algo próximo de 1.900 metros. Foram pelo menos oito incursões na Serra do Mar até a descoberta e confirmação, sem maior sombra de dúvidas, de que o Pico Paraná seria o ponto culminante não só do estado, mas de toda a região Sul.

“O Maack morava onde hoje é a Praça Oswaldo Cruz, numa vila. Hoje tudo ali é prédio, mas naquela época era tudo vila. Só que dali, se você olhar de qualquer via por ali em direção à Avenida Kennedy ou em direção à [Visconde de] Guarapuava, em dia de Sol, dia bom, você vai ver que todas convergem exatamente em cima do Pico Paraná. O Pico Paraná, você vai identificar, parece uma lomba de camelo. São duas montanhas juntas [Ibitirati e Paraná], que lembram um camelo. Ali é o Pico Paraná, e atrás fica o mar. É o ponto culminante. E o Maack, como era topógrafo, era geógrafo, era geólogo, ele pôs o teodolito e foi olhar a montanha, calcular a altitude. E ele caiu duro, porque era mais alto que o Marumbi”, relata Vitamina.

A “guerra” para achar o caminho até o ponto culminante 4k246a

Com a determinação do Pico Paraná como ponto mais alto de toda a região, uma batalha teve início. “Daí começou a guerra para achar o caminho [até o PP]. Como é que chega lá? Porque você tem de imaginar que naquele tempo sótinha a estrada para São Paulo, que era via Bocaiúva, e a estrada pro Litoral. Mais nada, o resto era um vazio. Aí um da turma, que era professor de Odontologia, também era piloto, voava de teco-teco. E lá foi ele e o Maack voar para ver se achavam essa montanha. O Maack também fez um desenho sobre como era esse Pico que ele tinha identificado como o mais alto”, conta ainda o histórico (e historiador) montanhista. Essa empreitada, inclusive, rendeu a primeira foto do PP, feita pelo próprio Maack.

Encontrada a montanha, era a hora de se descobrir como chegar até ela. Uma tarefa difícil, até por conta da geografia da região, explica Vitamina. É que a Serra do Mar, na verdade, é como se fossem dois “paredões” paralelos, com uma serra mais próxima do mar e outra mais perto da Grande Curitiba. O Pico Paraná, no entanto, está no primeiro paredão, na primeira beira da Serra.

“Só que se você está na segunda Serra, não enxerga a primeira. Daí começa o problema: primeiro, não tinha estrada. Como é que vai chegar ali? Daí fizeram esse voo e ele já descobriu que via planalto, lá por Campina Grande [do Sul], seria o caminho. Naquele tempo havia um único lugar que tinha uma vilazinha desse lado da montanha e aí eles foram lá e começaram a perguntar pros moradores da região sobre as montanhas da área. Era época de caça, na região tinha muito tigre, onça, e aí eles falaram com os caboclos de lá. O Maack foi com mais dois escaladores e dois carregadores.”

Após quatro dias de muito sofrimento, chegaram no cume do Tucum e finalmente viram o colosso Pico Paraná. “Uma vista linda! Resolveram ir reto e, caralho, ficaram sofrendo mais alguns dias na tentativa de transpor o profundo vale que os separava do Cerro Verde. Tiveram ainda azar, porque pegaram muita chuva. Aí viram que não daria certo e recuaram, voltando pro ponto de partida, onde tinham falado com os caboclos, que haviam indicado essa rota”, afirma Vitamina.

De volta ao ponto de partida, o grupo acabou conhecendo outro caboclo, Josias Armstrong, que já havia estado num dos picos da região, o Caratuva. Esse pico é o segundo maior de toda a região Sul, com 1.860 metros. “Eles andaram por dias no meio daquele mato fechado, denso, até que conseguiram chegar no topo da serra. E quando chegaram no topo, caíram duros, porque estava bem em frente ao Pico Paraná”.

E finalmente a conquista do Pico Paraná 46q2x

Não havia caminho melhor para a conquista do PP. É que o Caratuva é o único lugar por onde dá para se ar para se chegar até a crista do Pico Paraná. Só que os perrengues enfrentados pelos desbravadores também foram grandes, com muita chuva. Ainda assim, o grupo decidiu seguir em frente, continuando o ataque ao ponto culminante.

“Eles conseguiram atravessar por uma agem estreita e depois começaram a subir a vertente do PP. Quando já estavam numa zona mais de campo de altitude, mais fácil de transitar, com água, montaram acampamento. E enquanto estavam montando acampamento, dois deles [Alfred Mysing e Rudolfo Stamm] resolveram subir para dar uma olhada, ver como era o finalzinho do caminho. Eles foram e subiram [até o cume do PP], gritavam pro Maack subir também. Mas ele não quis ir, para ele não interessava”.

A polêmica sobre quem conquistou o Gigante primeiro 1hm32

Maack só foi chegar ao cume do Pico Paraná, efetivamente, anos depois. Um fato que acabou inaugurando uma polêmica entre montanhistas, relata Vitamina.

“Se considerava que o Maack não subiu [até o cume do PP nessa primeira expedição] porque o pessoal subiu até o cume, mas ele não. Acontece que, dentro das normas de montanha e da geografia, a montanha que tem o que eles chamam de falso cume – que é um cume e depois mais um junto, pertinho -, se considera um cume só. Eu fui um dos que lutei por isso, por se reconhecer que o Maack chegou no topo. Não chegou lá em cima naquele momento, mas chegou na parte alta. Mais tarde ele subiu até lá, mas daí a gente considera os conquistadores todo esse grupo aí.”

A história completa sobre a conquista do Pico Paraná, inclusive, pode ser conferida, em mais detalhes, num artigo escrito pelo próprio Vitamina para o site Alta Montanha.

A origem dos nomes indígenas para montanhas na Serra do Mar 2s2i6a

Na época em que Maack descobriu várias montanhas na Serra do Mar em seus trabalhos de levantamentos, começou a nominar cada cume que encontrava com nomes de importantes personalidades. Eusébio da Mota (pioneiro da geologia no brasil), Manoel Ribas (interventor do Paraná e responsável pela vinda de Maack ao Brasil), Getúlio Vargas (presidente da república), Hans Staden (cronista alemão) e Ulr Schmidel (primeiro alemão que atravessou nossas terras) foram alguns dos homenageados.

Deste período, no entanto, sobreviveu apenas o nome de Getúlio, que hoje identifica um morro de o às outras montanhas na Serra do Ibitiraquire. É que Maack foi alertado que leis brasileiras regiam a toponímia dos acidentes geográficos e vedavam completamente o uso de nomes de pessoas vivas ou mortas para nomear objetos naturais.

“Daí o Maack, que era também tupinólogo, teve um rasgo de genialidade e começou a nomear as montanhas com nomes indígenas, algo que nós continuamos depois. Os índios já nomeavam tudo, mas ele nomeou do jeito dele. Então, todos os nomes que você vê na região do Pico Paraná são nomes, praticamente todos, indígenas. Ficou uma coisa muito bacana”, comenta ainda Vitamina. Como exemplo, ele cita vocábulos indígenas como Caratuva, Itapiroca, Ibitirati, Tupipiá, Camapuan, Camacuan, Tucum e Siririca, todos nomes de cumes localizados na Serra do Ibitiraquire.