Assim como milhares de mulheres no mundo, a publicitária Jacqueline Vieira de Lemos enfrentou questões como misoginia, assédio e sobrecarga de trabalho ao longo de seus mais de 30 anos de carreira. Mas o que ela aprendeu com tudo isso e a forma como lidou (e lida) com as adversidades a colocam em outro patamar na vida profissional e pessoal: o degrau do equilíbrio.
Impactada pelo artigo “Por que as mulheres não podem ter tudo?” (no original, Why Women Still Can’t Have It All), escrito por Anne-Marie Slaughter, então diretora de Planejamento de Políticas no governo Barack Obama, ela começou a questionar suas prioridades e o peso das suas escolhas. O texto traz uma reflexão universal, cultural e atemporal sobre os desafios enfrentados por mulheres que buscam conciliar carreiras intensas com a vida familiar.
Jacqueline exemplifica com maestria essa premissa. Nascida em Londrina, em 1967, foi criada desde bebê em Apucarana. Filha mais nova de quatro irmãos, Jacqueline é filha de um comerciante, dono de uma padaria na cidade, e de uma dona de casa.
Rígidos na educação e nas regras familiares, os pais tinham um acordo: os filhos deveriam estudar e trabalhar. Sempre. Jacqueline levou a sério a recomendação e, desde a adolescência, já trabalhava em uma escola. Quando chegou a época de fazer vestibular, mudou-se para Curitiba com um desejo: fazer Publicidade e Propaganda, um dos cursos mais concorridos da época.
Os pais não faziam ideia do que era aquela profissão, por isso o pai foi categórico: ela só poderia ficar na capital se fosse cursar Medicina ou Direito, os cursos desejados, na época, por 10 entre 10 pais para seus filhos. Mas isso não iria impedir a jovem paranaense de trilhar seu caminho.
Expandindo horizontes 4j6535
ou em Medicina, Engenharia Civil, Direito e Publicidade e Propaganda (este na UFPR, curso tão concorrido quanto Medicina). Para aplacar o nervosismo do pai, disse que ia cursar Publicidade e Direito, assim poderia ficar em Curitiba.
“Eu queria muito sair de Apucarana. Aquele universo era pequeno demais para as coisas que eu queria realizar”, salienta, lembrando que, na época e “em seu universo”, era muito difícil para as mulheres se destacarem na área dos negócios. “Mas minha mãe sempre me colocou na cabeça que eu podia ser quem eu quisesse”, orgulha-se.
Depois de um ano cursando Direito e Publicidade, o pai acabou aceitando que ela se dedicasse apenas ao curso de que realmente gostava. Ela já trabalhava na secretaria de uma agência de modelos quando conheceu João José Wisrbitzji, o J.J. da J.J. Comunicação (que já figurou entre as 100 maiores do país). Pediu e conquistou um estágio e foi para a agência fazer clipping, sua primeira experiência na área.
Saiu de lá para trabalhar na área de Marketing do extinto Banco Bamerindus, que se destacava por suas propagandas disruptivas e cinematográficas. “Embora estivesse em Curitiba, tive contato com grandes nomes da propaganda nacional e com quem tinha poder de decisão, e nunca tive medo de lidar com eles. Às vezes, eu nem tinha noção de quem eles eram, e eu falava de igual para igual. Era a liberdade da ignorância”, revela.
Quebrando tabus 5b3v54
Vivenciar essa realidade moldou o olhar da publicitária, mas também aumentou a expectativa em relação à profissão. No entanto, quando o publicitário carioca Sérgio Reis, que fundou e comandou a área de Marketing do Bamerindus, deixou o cargo, ela também quis ver outras paisagens.
Nos anos seguintes, trabalhou em grandes agências da capital, como Opus&Multipla e Heads, e até montou a sua própria agência com outros dois sócios. Foi lá que ela tomou a atitude que todo profissional, independente da carreira, já teve vontade de tomar um dia: pegou a bolsa e foi embora.
“Não era só divergência de opiniões. Aquilo não fazia mais sentido para mim. O meu olhar sobre a profissão era muito diferente do deles”, diz. Sempre trabalhando em uma área essencialmente masculina, Jacqueline usou as armas que tinha para fazer parte do time. “Eu era quem mais fazia piadas sexistas, quem mais falava palavrão. ei décadas tão preocupada em fazer como os homens faziam que não me dei conta de como eu poderia estar sendo subestimada, menosprezada”, salienta.
“Pena que não nasceu homem” 4t4c13
Sim, eram outros tempos. E só agora, olhando para trás, ela tem consciência do que ou. Porém, em nenhum momento se arrepende. “Eu fazia questão de não perceber o que acontecia. Eu estava preocupada em conquistar as coisas e fazer parte daquele mundo. Ser mulher nesse universo era quase como dizer ‘obrigada por me deixar ficar aqui’”, diz, destacando uma frase que sempre escutava do pai: “Ele dizia que, se eu tivesse nascido homem, ninguém me seguraria. Na época, fiquei puta, mas hoje entendo o que ele quis dizer.”
Jacqueline ou por outras agências de grande porte em Curitiba, incluindo a JWT, que ela ajudou a montar e a consolidar como a agência mais importante da época, e que fez a campanha de inauguração do ParkShopping Barigüi, em 2003, um marco para o então tímido e fechado mercado curitibano no quesito shopping.
Em 2006, foi chamada para ser superintendente do mesmo shopping. Foi uma grande mudança de profissão e de visão do mundo. Foi um recomeço. Nessa época, já tinha seus dois filhos, Otaviano, nascido em 2002, e João, nascido em 2006, e não entendia nada “de dentro do balcão” do mall, mas decidiu assumir o desafio. Já são quase duas décadas à frente do ParkShopping Barigüi, onde realizou grandes projetos como a criação do Park Gourmet, a segunda expansão de lojas em 2010, e a terceira expansão, que aconteceu no ano ado, criando um novo andar e um Centro Médico no shopping, colocando o ParkShopping Barigüi em posição de destaque entre os grandes shoppings do país.
Mothern 16s4t
Paralelamente, lidava com as delícias e desafios da maternidade. Fez parte do Mothern, um grupo criado para discutir os pormenores de ser mãe, mulher e profissional, e até montou um blog para falar do nascimento do primeiro filho, aos 36 anos.
Em 2018, descobriu que estava com câncer de mama. “Poxa, nem para ser vítima eu poderia. Não pude nem ter autopiedade”, brinca. “Não é da minha natureza me vitimizar, mas realmente a situação não permitia isso.”
(Re) conexão 501d54
Pouco antes da pandemia, trouxe o pai e o irmão para morar com ela. “Foi uma oportunidade de me conectar com o meu pai. Tínhamos uma relação difícil e tivemos a chance de reverter isso.”
O pai faleceu em 2020, um período de muita tristeza. “Os efeitos da pandemia, a solidão, o fato de não ter podido ter contato com a filha que morreu e com o filho doente o deixaram extremamente triste. Foi o período mais difícil da história recente da saúde mundial”, considera.
E o melhor acontece diariamente, na remissão do câncer, nos filhos crescidos e bem-educados, no marido parceiro, no reconhecimento profissional e em uma vida inteira de aprendizados. Afinal, as mulheres podem ter tudo? Talvez não. Mas podem ter o que realmente importa.
Sobre o projeto Retrato Gravado 31315d
O programa Retrato Gravado, uma parceria da NQM, agência de comunicação com quase 30 anos de mercado, e o Portal Bem Paraná, de Curitiba. O podcast reúne histórias de personagens com trajetórias pessoais e profissionais marcantes.
“O objetivo é inspirar e motivar as pessoas. Queremos mostrar entrevistas para que os ouvintes se surpreendam, se emocionem e se identifiquem”, diz Sérgio Wesley, sócio-fundador da NQM.
A ideia partiu de uma conversa com a jornalista Katia Michelle, que, durante mais de dez anos, escreveu perfis para a Folha de Londrina, onde foi repórter de Cultura e assinava uma coluna. A jornalista, que também ou pela Gazeta do Povo e pelo setor de Marketing de grandes empresas, como O Boticário e Berneck, faz parte da equipe da NQM há três anos.
O podcast Retrato Gravado é gravado no estúdio do Bem Paraná, que tem coordenação da jornalista Josianne Ritz e operação de Evandro Soares.
Um diferencial do programa é que, assim que ele vai ao ar, o perfil escrito do entrevistado também fica disponível para leitura no site e também é publicado na edição impressa.
A primeira fase do Retrato Gravado terá 10 episódios, exibidos quinzenalmente.