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Os ocupantes do “Prédio dos Artistas”, na Rua Riachuelo: vida nova para o Centro histórico de Curitiba (Foto: Franklin de Freitas)

A histórica Rua Riachuelo, no Centro histórico de Curitiba, ganhou uma nova ocupação. É que um prédio localizado no número 274 da via acabou virando ao longo dos últimos anos uma espécie de “prédio dos artistas”. Reúne ateliês de diferentes criadores e que atuam em correntes diversas da arte. Tem serigrafia, trabalhos com cinema, criação de joias, pintura e até benzimento. E tudo isso num espaço cujas salas chegara a ficar vazias, às moscas, por mais de uma década. 44186k

Tudo começou logo após a pandemia de Covid-19, quando o serigrafista e agitador cultural Daniel Barbosa, de 44 anos, resolveu sair de Londrina, no norte do Paraná, e retornar para Curitiba. Na Capital, começou a procurar um espaço amplo para instalar seu ateliê, que até então ficava dentro de sua própria casa. “E achei aqui uma plaquinha na janela aqui do prédio, bem apagada, dizendo que eles tinham salas para alugar”, recorda Barbosa.

Inicialmente, a ideia era alugar duas salas (uma no segundo andar e outra no terceiro), transformando um dos espaço no ateliê da Caderno Listrado e o outro no apartamento (a casa propriamente dita) de Daniel. Só que o plano acabou não dando certo e o serigrafista, então, teve a ideia de alugar a sala de cima para outros artistas. Foi quando Neiton, conhecido por seus grafites pela cidade e que hoje se dedica à pintura sobre vidro, ou a também ocupar o espaço, junto com mais dois artistas.

Cerca de um ano depois, a única sala do prédio que estava alugada antes da chegada dos artistas acabou vagando. No local trabalhava alguém que fazia prótese dentária, mas ele resolveu ir embora. Foi quando surgiu a ideia de transformar o prédio numa ‘casa de artistas’. No ciclo atual, por exemplo, são cinco criadores trabalhando no local com seus ateliês. Além de Daniel e Neiton, estão no prédio Maria Mion, que desenvolve trabalhos com escultura, na área do cinema (com Super-8) e materiais de acervo (como acervo familiar); Janayna Sfair, que trabalha com ourivesaria (com metais como cobre, latão, prata, ouro, pedras preciosas e não-preciosas e sementes) e o tecedor–semeador Miguel, que se apresenta como um “animador de frestas”, que vai costurando as coisas que vai aprendendo ao longo de sua jornada e as transmutando em outras coisa – invariavelmente, em arte.

“Uma das salas que ocupamos hoje estava desocupada há 10 anos e a outra, há 15. Só uma que estava alugada. O prédio não tinha função nenhuma aqui, porque não tinha interesse comercial, né? Aqui é uma região de móveis usados, brechós. O prédio não tem ibilidade, não é na rua… Mas para quem quer um ateliê, esse lugar é perfeito. Ele é mais reservado quando a gente quer, mas também pode ser aberto se a gente quiser. Conseguimos controlar o o, já que somos só nós aqui no prédio”, comenta Daniel. Ele explica ainda que já na hora em que desistiu de morar no prédio o lugar começou a ganhar uma atmosfera cada vez mais artística.

“Na hora eu entrei e desisti de fazer a minha moradia aqui, automaticamente o espaço começou a virar colaborativo, porque já chamei alguns artistas, que chamaram outros artistas, e depois o cara da frente [que tinha alugado uma sala no prédio] saiu. Aí, como já tínhamos duas salas, chamamos mais artistas e alugamos a terceira sala. Mas foi quando o cara da frente saiu que decidimos não deixar qualquer pessoa entrar aqui e chamar mais artistas. Não tinha essa ideia de ser um prédio de artistas, mas a gente queria ficar mais entre artistas”, emenda ainda Daniel, que hoje conta em seu ateliê com a ajuda de Ivan, estudante de design e estagiário da Caderno Listrado.

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Daniel Barbosa e seu estagiário, Ivan: história do prédio começou a ser reescrita quando o ateliê da Caderno Listrado se instalou no edifício (Foto: Franklin de Freitas)

“As pessoas vão cruzar muito com nossas criações” t4m6t

Para visitar o “prédio dos artistas”, é preciso marcar hora com alguns dos profissionais que trabalham no local. Isso porque o espaço é, acima de tudo, um local para criação, produção. Mas para além da possibilidade das pessoas irem até a Rua Riachuelo, nº 274, é também possível e até mesmo provável que elas acabem se deparando com as criações dos artistas e com os próprios pelas ruas curitibanas.

“Porque a gente está sempre aí na rua, circulando, ocupando outros espaços, seja conosco mesmo ou com as nossas criações. Eu acho que esse é um pouco do movimento que estamos propondo pela cidade, né? Não ficar só aqui dentro, até porque esse é um local de trabalho. Mas ter estar aí, na rua também, criando e fazendo coisas para que as pessoas consigam se relacionar com nossos trabalhos”, comenta Miguel, que está há mais de um ano no prédio.

Daniel, por sua vez, recorda do conto “Casa Tomada”, do argentino Júlio Cortázar, para explicar a potência do espaço que foi se construindo. “Esse conto traz a história de uma casa que vai tomando conta do mundo, daquele mundo que é a casa. É a casa que toma conta, que vai tomando conta do espaço, não é uma pessoa. E eu acho que esse conto me veio à cabeça porque esse prédio parece que foi tomando conta. Ele foi trazendo… Primeiro me trouxe, e aí eu trouxe outras pessoas, mas foi ele quem fez eu trazer esses outros artistas”, diz o serigrafista.

A partir de julho, prédio receberá um Centro de Formação em Artes Serigráficas x361g

Atualmente, as três salas do “prédio dos artistas” estão ocupadas. Ou seja, não há mais vagas. Mas isso não significa que não caiba ainda mais gente no local. É que uma sala no andar superior, onde fica também o estúdio de Neiton, em breve sediará um Centro de Formação em Artes Serigráficas, o primeiro da América Latina. A ideia é, a cada dois meses, receber por dez dias um grupo de artistas residentes, que poderão se aprimorar na técnica e criar novos trabalhos a partir das experiências que terão no artístico edifício.

“Eu tinha muita vontade de fazer um Centro de Formação em Artes Serigráficas. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, tem um fluxo de artistas, uma troca muito grande, muito interessante. E é um espaço que dá pra gente acolher, fica no Centro da cidade… E eu sempre tive a vontade de fazer experimentos de técnicas de serigrafia com outros artistas, mas nunca tive esse espaço porque só tinha o meu lugar de produção”, afirma Daniel.

“Mas aí surgiu o ateliê ali de cima, o Miguel veio pra cá com muita energia e eu também estava com fogo no rabo. Aí surgiu essa ideia de investir para montar essa coisa, poder reunir artistas e produzir obras de arte com o processo da serigrafia no processo de criação desses trabalhos. Agora estamos reformando o espaço, que surgiu da necessidade minha de discutir a serigrafia de um ponto de vista menos de prestação de serviço e mais do ponto de vista técnico, trocando ideia com os artistas sobre o que é o processo serigráfico dentro do trabalho de arte”, diz Daniel.